Depois do Dia 23

“Qual o seu nome?”, a imagem de meu pai pergunta num VHS de família.
Eu não respondo.

12 - 2020 - Documentário, Experimental - 1h12m

Cresci ouvindo histórias sobre esse herói, uma fábula inatingível. Fui a sombra da utopia de um morto, tão assemelhado quanto sozinho. Eu não o guardo na memória. Mãe e irmão, por sua vez, lembram de tudo e nunca deixaram de lamentar. Pouco a pouco, me transformo no passado, em busca de minha identidade.

Interpreto Ronaldo aos olhos de Rita. A ficção falha enquanto busco viver o que seria um dia comum na vida deles, visitando amigos numa noite tranquila. Para não me perder de mim, escolho uma personagem que me seja na trama.

O cenário muda enquanto Vera se prepara para investigar vestígios. Ancorada no presente, narra sobre exploradores do futuro que levantam dados sobre o que já foi. Arquivos da investigação são projetados sobre ela até que tomem a imagem. A pesquisa científica atinge uma barreira quando encontra a última carta de minha mãe.

Rita e eu assistimos gravações antigas da família. Ela percebe ineditismo nas imagens, alternando sua perspectiva do passado para a descoberta dos arquivos. Narra detalhes sem ver peso nas imagens. Me tranquilizo. É quando vemos a fita com depoimentos póstumos dos amigos e familiares. Ela conta que já desejou diversas vezes ter partido no lugar dele.

Meu amor fez um projeto - 2016

Rita se prepara para ler sua carta de despedida para Ronaldo. Somos só nós dois. Onde já foi dor, hoje reside cuidado, e é com ele que ouvimos integralmente cada palavra de minha mãe. “E só então poderás compreender as inúmeras possibilidades da luz sobre um corpo em movimento. Isso aqui você não sabe o que que é, né?”. Ela me narra seus últimos momentos antes de deixar seu amor partir com os pássaros de luz no alvorecer. Questiona: “quais serão as inúmeras possibilidades da luz sobre um corpo em movimento?”. A tela muda seu escopo enquanto vemos uma imagem praticamente indistinguível do mar em super 8, que deságua no aceno de uma Rita mais jovem do que nunca.

Retorno ao lugar da interpretação, agora consciente do que represento. Ensaio com o elenco, recebemos palpites de Rita e do diretor. Ela conta histórias e se conecta às pessoas. Os momentos se fragmentam e repetem. Volto a ser Ronaldo, elenco volta a ser passado. Equipe observa. O tempo é presente. Todos os dispositivos estão expostos. O equilíbrio permite que Vera chame a cena outra vez para si, lamentando a perda da mãe, a quem sempre foi comparada.

Ela retorna a seu lugar de investigadora. Não está mais aqui para levantar dados sobre minha família. Enquanto exponho minha dor por ter crescido com referências de pesar, Vera procura enxergar o que não lembro como catalisador de possibilidades para interpretação do agora. Lê carta de amor Ronaldo para Rita. Samba de meu pai lembra do amor através de arquivos. Tudo para quando meu irmão chora.

Me volto para Pedro. Lembro vividamente do que foi crescer ao lado dele. Dedico toda pesquisa a ele. Abro caminho para que os visitantes das memórias falem da identificação com o que viram. Todos somos irmãos, mães, família. Aceito para mim o que Rita e Pedro tiverem a oferecer.

Me busco. Corro em círculos por uma alegoria de mim. Narro memórias e a falta delas. Cada um tem seus próprios começos e a identidade vem com o caminho que trilhamos. Me chamo, me investigo. Internalizo o processo que vivi ao longo de toda trajetória que me levou até aquele momento. “Um dia nasci Ronaldo”. Me grito. “A morte dele me deu um aval - me deu a autorização - para contar tudo isso que agora eu conto”. Vera repete seu lamento pela perda da mãe. Rita a abraça. Elas me chamam. Somos um.

Monografia para conclusão de curso e construção do documentário:

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