24 Mandalas num Apartamento de Areia
A morte de um pai muito amado.
Um apartamento a esvaziar.
12 - 2019 - Documentário, Drama - 24m
Um acervo numeroso de objetos acumulados que revelam apegos, desejos, medos, crenças, valores e compulsões vivenciados em oitenta e dois anos de vida. Passo a passo, tropeço a tropeço, no enfrentamento do desafio físico e emocional, armários são esvaziados e no chão se instala um museu, ordenado, objetiva e subjetivamente, por categorias.
Nesse cenário, cheio e vazio, de ausência e presença, crio um ritual de despedida, permeado por desafios.
Como desapegar de seus apegos, meu pai? Como não desrespeitar sua construção?
Como desapegar da herança dos apegos?
A natureza poética que permeia o espaço e os objetos me mostra caminhos.
Ao separar os objetos por categorias, percebo significados e decido compor mandalas temáticas. Cada uma recebe um título que traduz o conceito que se revela em sua criação. Todas têm como epicentro uma escultura em gesso do rosto sorridente de meu pai, realizada na graduação da Escola de Belas Artes, há mais de trinta anos.
Em volta da escultura disponho os objetos em camadas sucessivas. Ao finalizá-las, a fotografia garante a preservação do que vai se desfazer em seguida. Nesse processo expressivo, percebo que há uma profanação.
Peço licença.
Sigo adiante.
Mandala, em sânscrito, significa círculo e, na tradição tibetana, é um diagrama geométrico ritual usado como instrumento de pensamento e concentração, simbolizando também uma mansão sagrada, o palácio de uma divindade. Os monges criam mandalas para simbolizar o ciclo de vida e morte e levam-se anos de preparação e treinamento para se ganhar a habilidade e o conhecimento para pintar uma mandala. Sua construção, cujo desenho é ritualmente preenchido com areia colorida, é depois destruída pelo vento ou varrida, como representação da impermanência da vida.
Para Carl Jung as mandalas são movimentos em direção a um crescimento psicológico, expressando a ideia de um refúgio seguro, de reconciliação interna, e sua construção funciona como um caminho de restauração.
Ao retornar às fotografias das mandalas na composição dessa obra, percebo que coloquei a figura de meu pai no centro dessa composição circular crescente, fazendo desse gesto um instrumento de pensamento, que como um mantra foi me acolhendo em minha própria “mansão sagrada”.
Uma ação construtiva surgia em meio à desconstrução que me atravessava. Um novo ninho se formava na velha casa desfeita, me acalantando e ajudando a processar o encontro brutal com a morte, à medida que as mandalas se mostravam, em sua própria circularidade, o renascer de um gesto vital.
Nesse refúgio seguro, tal qual Jung compreendia, fui me reconciliando internamente e descobrindo um caminho de restauração.
Ao gesto ritual – estético, espiritual e terapêutico – de construção das mandalas agrega-se a fotografia, que, como “um fragmento sublime entre o sensível e o inteligível” se situa, nesse curta-metragem, entre a lembrança e a esperança.